Ela olha ao seu redor,
sua cabeça pesa de tanto pensar. Condenou-se várias e várias vezes por se
encontrar naquele estado lastimável e desprezível que ela jurava ter
abandonado. Sabia que a culpa era toda
sua e de mais ninguém, por isso, não abriu a boca se quer para lamentar com
alguém, para desabafar a sua dor, a sua culpa, o seu ódio. Sim, ela sentia ódio
de si mesma por voltar a sentir coisas que ela poderia ter abandonado há muito
tempo, sentia raiva por manter-se refém de tudo o que ainda a perturbava, sentia
raiva por continuar alimentando esperança em algo que não existia e por alguém
que não a amava e não a respeitava. Tudo dentro dela era raiva, raiva do seu
tolo coração e do seu cérebro tão inteligente, que agora parecia tão medíocre.
Faltavam algumas horas
para aquele encontro. O encontro que ela tanto ansiou e agora tanto desprezava.
Ir a esse encontro era andar na prancha e lançar-se ao mar rodeado de tubarões.
Ir a esse encontro era tomar a dose de um veneno que matava lentamente. Ir de
encontro a este homem era suicídio, ela sabia. Ao mesmo tempo em que já se
sentia morta. Não tinha escolha, não havia como fugir, hoje não. Ela tinha que
cumprir sua palavra para alguém que nunca cumpriu promessas. Mas ela era
diferente dele, sua palavra era sua palavra.
Assim ela respirava
lentamente como se fosse a última vez, pensava em cada detalhe daquela noite,
o que usar, o que falar, a forma como sorrir, o perfume que lhe cairia bem, ela
não queria desagradar. Ela seria forte mais uma vez. Deixaria transparecer toda
a segurança que ele viu em seus olhos desde que a conheceu, seria a mulher
polida, elegante e sorridente que todos gostavam de ver. Sim, ela seria uma
rocha.
Preparou-se para o
momento, era agora e talvez nunca mais, assim ela desejava. Seguiu como uma
ovelha para o matadouro, passos lentos e firmes, cabeça erguida e a mansidão
que só as ovelhas sabem ter. Quem a viu jamais percebeu o que se passava dentro
dela. Apesar de estraçalhado, o seu coração continuava batendo. E assim ela
partiu para tomar mais uma ou quem sabe, a última dose do seu veneno...

Dramático e intenso. Sobretudo, convincente depoimento poético.
ResponderExcluirDoce abraço, Milka.